Obesidade e diabetes tipo 2 estão entre os principais fatores de risco para desenvolver sintomas mais graves da COVID-19. Um estudo realizado pela Université Côte d'Azur, na França, constatou a diminuição da mortalidade e do uso de ventilação mecânica em pacientes obesos em decorrência de infecção causada pela COVID-19.
No futuro, o ano de 2020 será lembrado como o ano em que o mundo teve que enfrentar a COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2.
Saúde, economia, trabalho, educação: ainda estamos longe de entender qual será o impacto e as mudanças decorrentes da COVID-19 para as nossas vidas.
Distanciamento social, uso de máscaras e higienização das mãos já foram incorporados aos protocolos de segurança contra a doença e ajudam a evitar a disseminação do vírus.
Apesar de uma compreensão cada vez maior da doença, que já causou mais de 1 milhão de mortes em todo o mundo, ainda há dúvidas sobre as razões pelas quais alguns pacientes desenvolvem sintomas mais graves da doença, como insuficiência respiratória, e outros não.
Doenças Preexistentes
Foi demonstrado que a presença de doenças preexistentes aumentam o risco de desenvolver sintomas graves da COVID-19.
Segundo Philipp Scherer, Ph.D., diretor da Touchstone Center for Diabetes Research e professor de Medicina Interna e Biologia Celular na UT Southwestern, doenças metabólicas, como a obesidade e o diabetes tipo 2 estão entre os principais fatores de risco para desenvolver sintomas graves de COVID-19.
Ou seja, dentre as comorbidades relacionadas a formas mais graves da COVID-19, obesidade e diabetes estão no topo da lista.
No entanto, apesar da correlação entre obesidade, diabetes tipo 2 e quadros graves da COVID-19 ter sido observada em diversos países, ainda não há um consenso sobre os mecanismos que estariam por trás desse fenômeno.
Uma hipótese levantada pelos cientistas é que o tecido adiposo, presente em pessoas obesas, tem grandes quantidades de receptores ACE 2, que são usados pelo SARS-CoV-2 como forma de invadir as células hospedeiras, fazendo do tecido adiposo um reservatório primário para o SARS-CoV-2.
Assim, o excesso de gordura corporal em pessoas obesas acaba por elevar a quantidade de receptores ACE 2, levando a um consequente aumento da carga viral nesses indivíduos.
Por conta disso, uma carga maior de ACE 2 é liberada na circulação sanguínea de pessoas com obesidade, aumentando o risco do vírus chegar até o pulmão, resultando no aumento da concentração de SARS-CoV-2 nesse órgão.
Outro fator agravante é a inflamação decorrente do aumento da expressão do ACE 2 em indivíduos obesos, o que aumenta as chances de infecções graves decorrentes da COVID-19.
No entanto, outras razões associadas à obesidade contribuem para o aumento de quadros mais graves da doença.
Inflamação e Intestino Permeável
Segundo cientistas da UTSW, em um novo artigo publicado on-line na eLife, a razão pela qual pessoas obesas correm um risco maior de desenvolver sintomas graves de COVID-19 está relacionada a dois fatores: a inflamação e o intestino permeável.
No referente à inflamação, os tecidos de indivíduos obesos, incluindo os pulmões, possuem uma resposta fraca à infecção devido ao estado inflamatório geral que costuma acompanhar o quadro de obesidade.
Já o intestino permeável, uma condição que costuma ocorrer em indivíduos obesos, pequenas lacunas na parede do intestino possibilitam a passagem de bactérias e toxinas para a corrente sanguínea, causando uma resposta inflamatória do organismo.
A interação entre as bactérias provenientes do intestino na corrente sanguínea e o coronavírus leva ao aumento desproporcional na expressão de citocinas pró-inflamatórias, a chamada “tempestade de citocinas“.
Além disso, a presença de inflamação e o intestino permeável deixam os pulmões de pacientes obesos mais suscetíveis à COVID-19, pois a presença de bactérias e/ou seus produtos nos pulmões resulta em uma ação sinérgica entre os patógenos virais e bacterianos, aumentando a lesão nesse órgão.
Segundo os cientistas, a inflamação nos pulmões combinada com altas cargas virais do novo coronavírus criam a “tempestade perfeita” para pacientes obesos com COVID-19.
Esse fato pode explicar por que pessoas obesas têm maior risco de morrer da doença.
Dexametasona e Agonistas PPAR Gama
Segundo Philipp Scherer, o tratamento com o esteroide dexametasona pode ser especialmente útil em pacientes obesos que contraíram COVID-19, colaborando para a redução da inflamação.
Outra opção seria a utilização de agonistas PPAR gama, uma classe de drogas que age de diversas maneiras no combate aos sintomas da COVID-19:
- Redução da inflamação;
- Redução da expressão de ACE2;
- Redução do açúcar no sangue;
- Redução dos níveis de LPS;
- Prevenção da conversão de células de gordura no pulmão em um tipo de célula fibrótica.
Porém, ao contrário da dexametasona, os agonistas PPAR gama não prejudicam a imunidade e têm menos efeitos colaterais.
Obesidade e Vacina contra a COVID-19
No momento, centros de pesquisas no mundo todo concentram esforços para produzir uma vacina contra a COVID-19.
No entanto, essa vacina pode não ser tão eficiente em pessoas com obesidade devido à inflamação crônica.
A inflamação pode interferir na resposta do sistema imunológico, dificultando a produção de anticorpos eficientes no combate ao vírus.
Em um estudo publicado no International Journal of Obesity, em 2017, constatou-se que adultos obesos que receberam a vacina contra o vírus Influenza tinham duas vezes mais chances de contrair a doença ou desenvolver gripe quando comparados a pessoas com IMC mais baixos.
Segundo o coordenador do estudo na Universidade da Carolina do Norte, Barry Popkin, com base nos conhecimentos adquiridos no desenvolvimento das vacinas para a SARS e Influenza, o benefício da vacina da COVID-19 na população obesa pode ser menor.
Tratamento para Obesidade e Diabetes
Pacientes com obesidade e diabetes podem optar por um tratamento reconhecido pelo CFM – Conselho Federal de Medicina. A cirurgia metabólica é uma maneira rápida e segura de evitar tanto os riscos decorrentes do diabetes quanto as possíveis consequências de uma infecção por SARS-CoV-2, vírus que causa a COVID-19.
Segundo o presidente da SBCBM – Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Dr. Marcos Leão Vilas-Bôas:
"A cirurgia metabólica é hoje mais segura do que cirurgias simples do nosso dia a dia, como a cirurgia de apêndice e a cirurgia de útero. Quando realizada em pacientes com massa corporal mais baixa têm um risco de mortalidade de 0,05%."
Para entender melhor como a cirurgia metabólica pode ser efetiva na prevenção aos riscos da COVID-19, um estudo realizado por pesquisadores da Université Côte d’Azur, na França, avaliou a mortalidade de pacientes infectados com COVID-19 submetidos à ventilação mecânica que haviam realizado a cirurgia metabólica, comparando os resultados com indivíduos obesos que não haviam feito a cirurgia.
Para esse estudo, foram incluídos registros eletrônicos de 4.248.253 pacientes diagnosticados com obesidade com idades entre 15 e 75 anos, mantidos sob observação pelo sistema de saúde nacional da França pelo período de aproximadamente 2,93 a 5,43 anos.
Os pesquisadores da universidade francesa basearam as suas conclusões em dois valores de referência:
- Morte relacionadas à COVID-19;
- Necessidade de ventilação mecânica invasiva.
O estudo analisou os dados retrospectivos de 8.286 pacientes diagnosticados com obesidade (o que corresponde a 0,2% da amostragem utilizada para esse estudo) internados em decorrência de infecção por COVID-19 no período entre 1/01/202 e 15/05/2020.
Nesse grupo, 541 pacientes haviam realizado a cirurgia metabólica, enquanto 7.745 não haviam feito a cirurgia.
Os resultados mostraram que 14,54% dos pacientes tiveram que ser submetidos à ventilação mecânica, enquanto o total de óbitos foi de 13,58%.
No entanto, diferenças importantes foram observadas quando comparado o grupo de pacientes que havia realizado a cirurgia metabólica aos pacientes que não haviam feito a cirurgia.
Observou-se que a necessidade de ventilação mecânica nos pacientes internados com infecções decorrentes da COVID-19 que haviam realizado a cirurgia metabólica ocorreu entre 3,5% e 7% dos casos.
Já no grupo de pacientes internados com infecções decorrentes da COVID-19 que precisaram de ventilação mecânica e não haviam realizado a cirurgia metabólica esse número variou entre 14,2% e 15%.
Após uma análise estatística, observou-se que o risco de ventilação mecânica aumentava quando a amostragem incluía pacientes homens, com diagnóstico de hipertensão e idade entre 61 e 75 anos. Nesses casos, observou-se que a cirurgia metabólica possui um efeito protetor independente.
Os indicadores de mortalidade foram associados a fatores como: idade, sexo, histórico de insuficiência cardíaca, câncer e diabetes.
Em todos os casos, observou-se que a cirurgia metabólica foi efetiva na prevenção.
Conclusão
A cirurgia metabólica está diretamente relacionada à diminuição do risco de morte e de uso de ventilação mecânica invasiva em pacientes obesos internados com infecções decorrentes da COVID-19.